Sandro Mesquita

Sobre nós, os negros

Por Sandro Mesquita
Coordenador da Central Única das Favelas (Cufa) Pelotas e Extremo Sul
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É comum vermos, construirmos e participarmos das atividades da Semana da Consciência Negra na cidade e região e vermos todas as movimentações e manifestações pelo País. Realmente a cultura negra brasileira, com suas especificidades territoriais, tem pluralidade e diversidade bem amplas, que enchem os olhos, nos deixam orgulhosos e sempre contribuem para que a sociedade em geral conheça a história e ajude a desconstruir o racismo estrutural, histórico, educacional e cultural, e, portanto, mental, ainda existente a algumas pessoas.

Ainda vemos os movimentos sociais negros desenvolvendo seminários, encontros, rodas de conversas, desfiles, exposições, festas, almoços, lives, homenagens, tudo isso com as mais variadas pautas e temas que vão desde as mais comuns até as temáticas mais atuais.

Avaliações sobre o período de implementação das ações afirmativas, sobretudo as políticas de cotas e seu impacto na sociedade, estatísticas sobre o negro no mercado de trabalho, o mapa do racismo veículado nos programas de televisão, políticas antirracistas, empreendedorismo negro, ESG e até as questões ambientais são pautas transversais para olharmos com mais profundidade ao racismo, que insiste em existir.

Bom seria que as legislações contribuíssem de maneira efetiva nesse processo, mas às vezes não é o que vemos. Embora tenhamos alguns avanços, as políticas públicas em alguns aspectos parecem paliativas. Como ficamos felizes com a Lei 7.716/89, que veio juntamente com a democracia, que definia os crimes resultantes dos preconceitos de cor e raça. Tínhamos ali cem anos de abolição da escravatura e ali na frente celebramos, em 1995, os 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares, data que também veio carregada de simbolismo e de lutas por conta de crises políticas que assolavam a sociedade, ao mesmo tempo em que o negro se reorganizava politicamente.

Tivemos em 2003 a Lei 10.639, que estabelecia as Diretrizes e Bases da Educação nacional para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e cultura afro-brasileira” e, em 2012, a Lei 12.711, que dava conta de alunos e alunas de baixa renda de escolas públicas, negros, indígenas e deficientes obtivessem acesso ao Ensino Superior por meio de reserva de vagas. Maioria das leis voltadas para a educação, mas que ainda não resolveram o impacto negativo de outras leis que já tivemos no Brasil, como a de 1837, na primeira Constituição, que não permitia - ou proibia - o negro de acessar os bancos escolares e, mais adiante, o impedindo de comprar e obter terras, pois não podiam ser proprietários em 1850.

Talvez não tenhamos como medir esses impactos, mas as dificuldades continuam até hoje, pois as pessoas que detém os meios de produção ainda hoje não se veem, não se entendem enquanto racistas. Mesmo tendo sido educados nessa lógica, com essa estrutura educacional que ignorou vários fatos históricos e tratou as lutas da comunidade negra e suas revoluções como algo insignificante. Não se fez questão de aprofundar os estudos sobre o que foi e significou Palmares na época, seu tamanho, suas estruturas, seu modelo econômico, sua forma de convivência, o que poderia ter modificado o pensamento social e sociológico do imaginário brasileiro e contribuído para a estima de uma parcela da população. E para um olhar menos preconceituoso de outra parcela, o que poderia nos tornar uma sociedade mais humanizada e menos racista.​

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